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domingo, 6 de fevereiro de 2011

Pyaasa


Estreado em 1957, Pyaasa, um dos filmes mais populares de Guru Dutt, mantém-se tragicamente actual e pertinente na sociedade dos dias de hoje.

Centrado na figura de um artista cujo talento não é reconhecido, Pyaasa dá-nos uma visão pouco optimista de uma sociedade cínica, materialista, fútil e vazia de moral.

Nele encontramos o poeta Vijay (Guru Dutt) que, apesar de ter um talento inegável e formação académica para o acompanhar, é pobre e não se dá com as pessoas certas, sendo, por isso, ostracizado pelo mundo das artes e pelos artistas e editores literários estabelecidos.

Expulso de casa pelos irmãos, que não vêem na arte uma fonte de sustento, Vijay vive na rua, tendo como único e verdadeiro amigo o massajador de cabelo Abdul (Johnny Walker).

Um dia, descobre que os seus irmãos venderam os seus manuscritos ao desbarato a um alfarrabista como se fossem papel usado sem valor. E assim vão parar às mãos da prostituta Gulabo (Waheeda Rehman), que, reconhecendo o seu valor lírico, os compra, estima e usa nas suas canções.
Gulabo torna-se a primeira fã de Vijay e ele torna-se o primeiro homem que a trata com respeito.

O passado de Vijay é-nos revelado em flashback, até aos tempos de faculdade em que namorava com Meena (Mala Sinha). Meena é uma jovem fútil pragmática e, salvaguardando o seu futuro, casa-se com um homem rico que não ama, mas que pode sustentá-la. No entanto, nunca se esquece de Vijay.

Devido a um revés do destino, Vijay é dado como morto e Gulabo, empenhando todas as suas poupanças, paga ao marido de Meena para que este publique os poemas de Vijay.

É então que, depois de oficialmente morto, Vijay se torna um artista consagrado, rendendo milhões ao seu editor, e a todos os que se conseguem "colar" à sua obra e à sua pessoa (que entretanto se torna mítica e desfasada do Vijay verdadeiro).

Pyaasa mostra como, mais do que aquilo que uma pessoa é de facto, o que é valorizado é a opinião que os outros fazem de si. Novamente, muito actual.


Actual é também a observação constante da luta diária daqueles que, por um motivo ou por outro, têm de lutar para sobreviver.

Pyaasa têm duas cenas particularmente desconfortáveis.
A primeira é aquela em que, vestido com o único fato que tem, Vijay se oferece para carregar mercadoria numa viatura a troco de alguns tostões. O patrão comenta algo como: "Ao que o mundo chegou, em que há mão de obra especializada (leia-se, com formação) a fazer trabalho de servente." Não faz lembrar Portugal nos dias de hoje?

A segunda, passa-se num bordel. Uma bailarina exótica faz o seu melhor por entreter os convivas com a sua dança mas, em segundo plano, o choro do seu bebé doente sozinho no berço sobrepõe-se à música. Ela tenta ir para junto do filho, mas depressa surge uma "madame" que a proíbe de parar para tratar da criança. E diz um cliente: "Já vais tratar do bebé, trata primeiro de nós."
Essa cena antecede o vídeo que escolhi para ilustrar este texto, em que o eterno Mohammad Rafi dá voz ao lamento de indignação de quem vê o que estas mulheres passam e apela à mudança de mentalidades.

Apesar de ser um dos filmes mais populares de Guru Dutt (tanto junto da crítica como do público), Pyaasa não é o meu preferido. Se calhar é por ser um filme tão difícil, tão pesado.
A escolha inicial de actores incluía Dilip Kumar no papel de Vijay, o que eu acredito que desse uma maior dimensão dramática ao filme. Além disso, Pyaasa inclui demasiadas referências a outros filmes (leiam aqui a crítica de Corey Creekmur que lista algumas dessas referências) que, por vezes, lhe roubam alguma fluidez.

A Wikipedia acrescenta ainda outra dimensão realista ao filme:

"The film is based on a book written by author and poet Chandra Shekhar 'Prem', from Himachal Pradesh. It was partly based on his life story. He was a struggling poet in the 1950s at the time and took the book to Bollywood. He sold the story and its rights for Rs.500, so was never given any credit for his work. He went on to publish many books in Hindi and Urdu he was never recognised as the true author of this work. He died in 2002."

Assustador.

4 comments:

Unknown disse...

Não parece ser um filme fácil de gostar. Mas há sempre outras alternativas.

bárbara disse...

Sim. Não creio que o vá rever.

Carol Juvenil disse...

É fácil de gostar, sim, só não é fácil de rever. Eu ainda não o revi, mas se o fizer será por causa da Waheeda. Ela foi linda como Gulabo, conseguiu despertar meu carinho e minha vontade de que tudo desse certo para ela. Não gostei foi do Vijay. Até hoje o chamo de vagabundo: ele não tinha motivo para não trabalhar. Me falta sensibilidade artística para entender essas coisas.

Tem uma música linda desse filme que o Pedro ama e que me faz chorar sempre que vejo o vídeo. Uma em que a Gulabo está perto do amado, mas ao mesmo tempo sente que está distante.

Ah, e esse filme me fez detestar a Mala Sinha por um bom tempo.

bárbara disse...

Eu não gosto das sobrancelhas da Waheeda neste flme (eu disse mesmo isto?!)

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