Pois que dissemos que escreveríamos sobre um filme bengali em breve, e aqui está ele.
Lançado em 2003, Chokher Bãli tem como intérprete principal Aishwarya Rai, que já na altura deveria ser a actriz indiana mais bem paga da indústria cinematográfica. E que por este papel não levou um tostão.
Realizado por Rituparno Ghosh, Chokher Bãli (literalmente, "um grão de areia nos olhos") é uma adaptação ao cinema do livro bengali com o mesmo título escrito por Rabindranath Tagore e traz-nos uma temática muito particular ao universo cultural indiano: a vida de uma mulher jovem depois de se tornar viúva.
Binodini (Aishwaria Rai) torna-se viúva apenas um ano após o casamento e, como era (e ainda é um pouco) costume na Índia, remete-se a um papel secundário na vida social e familiar. Na verdade, só em 1856 é que, sob o domínio inglês, o casamento de viúvas foi legalizado na Índia.
Chokher Bali passa-se depois dessa legalização mas numa altura em que os rituais associados à viuvez feminina ainda eram cumpridos à risca: não voltar a casar, passar a vestir-se de branco, abandonar todos os adornos, deixar de usar a bindi e entregar-se aos cuidados de familiares ou amigos.
Neste caso, Binodini vai viver com a família dos recém-casados Mahendra (Prasenjit) e Ashalata (Raima Sen). O casal juntara-se de forma pouco ortodoxa, pois era o melhor amigo de Mahendra que estava prometido a Ashalata mas, ao vê-la, Mahendra pediu ao amigo que a "cedesse" em casamento.
A vida de casal de Mahendra e Ashalata é, pois, passada quase inteiramente no quarto; Mahendra falta diariamente às aulas e Ashalata dedica-se a uma vida ociosa que nos faz pensar em Charulata, de Satyajit Ray.
Com a chegada de Binodini, esta e Ashalata tornam-se amigas e grandes companheiras, adoptando o nome afectivo de Chokher Bãli quando se referem uma à outra. Os nomes afectivos são, aliás um costume bengali. São nomes usados apenas na intimidade familiar.
Binodini é ainda jovem e, com a proximidade de Ashalata, tem uma visão em primeira mão daquilo que seria a sua vida se não tivesse ficado viúva. Uma vida em que o amor, a satisfação e a boa disposição são naturais e não são vistos como tabus.
Por outro lado, Ashalata tem uma personalidade muito subserviente e Binodini ajuda-a a impor-se e a pensar por si própria. Nesse sentido, o filme é todo de Aishwarya, que transmite à sua personagem uma força e uma confiança que (infelizmente) não são muito exploradas nos filmes mais comerciais que costuma fazer.
As circunstâncias tornam Binodini vulnerável aos olhares e aos avanços do marido de Ashalata, e depressa caem nos braços um do outro. O romance inicia-se em segredo mas Ashalata descobre a verdade e decide sair de casa, uma vez que o coração do marido já não lhe pertence.
Binodini está pronta para assumir a relação e viver com Mahendra, mas este não é tão determinado como ela. Perante a fraqueza e a indecisão do seu amante, Binodini decide, de alguma maneira, tentar devolvê-lo à legítima esposa e recomeçar a sua vida de outra forma.
Todo o filme é um elogio da figura da mulher independente e culta, que não se conforma com as normas sociais que atentam contra a própria natureza humana, e que, através da educação (Binodini escreve a fala Inglês fluentemente), adquire poder e competências que de outra forma lhe estariam vedados.
Por outro lado, é uma crítica à sociedade conservadora e castradora que dita que as viúvas não podem voltar a amar e que prazeres tão inócuos como beber chá são impróprios de brâmanes.
Chokher Bãli não teve grande sucesso comercial aquando da sua estreia, mas conquistou os elogios da crítica indiana e internacional. Aquilo que li algures sobre esta ter sido a interpretação da vida de Aishwarya, até ver, confirma-se. Recomendamos!
quarta-feira, 23 de março de 2011
Chokher Bãli
Escrevi sobre: Aishwarya Rai, Chokher Bãli, Cinema Bengali, Cinema Indiano, Crítica, Portugal, Prasenjit, Raima Sen, Rituparno Ghosh
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