Ver qualquer filme de Satyajit Ray é um privilégio. O sentimento de que estamos perante um exímio contador de histórias é uma constante sempre que me sento a ver uma das suas obras. Os superlativos a si ligados são muitos e não me cabe aqui a tarefa de aumentar a lista já preenchida com grandes nomes como Akira Kurosawa, Martin Scorsese ou Jean Renoir, assumidos fãs do realizador de Bengala. O que me traz aqui hoje é um filme seu que há muito tinha curiosidade de ver, visto ser considerado um dos expoentes máximos da sua riquíssima filmografia: Charulata.
Tendo sido feita a sua formação académica na Universidade Rural de Rabrindanath Tagore, Ray vai ter a obra deste último como uma das suas maiores inspirações e referências literárias. Não é então por acaso que este Charulata seja directamente inspirado por uma obra de Tagore: Nastanirh (The Broken Nest).
Em Charulata, vamos encontrar a história de um casal rico e culto que se vai ver a braços com duas crises que irão abalar as suas vidas irremediavelmente e muito contra a sua vontade. Central na trama está a esposa, a titular Charulata, representada por uma luminosa Madhabi Mukherjee, uma habituée na filmografia de Ray e a alma de todo o filme. Charu é lida, letrada e só. E sem nada para fazer. E lá diz o velho ditado: the devil makes work for idle hands. Entra em cena o primo do marido, que a convite deste vem fazer companhia à sua esposa para os dias não lhe parecerem tão entediantes. Pois. Já estão a ver aonde é que isto vai dar, não estão?
Mas para mim, o ponto de interesse máximo da história não é a fidelidade/infidelidade que poderá entretanto acontecer. Não. Para mim, marcou-me mais ser uma história passada em Calcutá em 1870 e conter uma personagem feminina tão marcante como é a de Charulata, capaz de pensar por si própria e de discordar abertamente com as opiniões tanto do marido, como do seu primo. E de não ter medo dos seus sentimentos.
A ajudar a tudo isto, temos a cadência própria de uma grande história que não se apressa a despachar os seus personagens para o eventual desfecho lógico que se adivinha dramático, compassada com uma magnífica banda-sonora assinada pelo próprio Satyajit Ray e fotografada pelo não menos sublime Subrata Mitra que prova mais uma vez ser um mestre do understatement, ou se preferirem, da subtileza das suas imagens. Comprovem tudo isto no próximo clip, uma das cenas-chave deste belíssimo Charulata.
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Charulata - The Lonely Wife
Escrevi sobre: Bengala, Calcutá, Crítica, Madhabi Mukherjee, Rabrindanath Tagore, Satyajit Ray, Subrata Mitra
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8 comments:
Ai, adorei este post! Ainda não vi o filme, infelizmente , mas esta cena é linda.
Como sabes, a feminista em mim pela-se por este tipo de histórias. É absolutamente trágico que noutros tempos mulheres instruídas e inteligentes fossem postas à margem da sociedade intelectual e dos assuntos "de homens". Não sei se é disso que o filme trata mas creio que vá por aí.
Gosto muito de ler as tuas críticas aqui no Grand Masala, a sério. Obrigada.
Será que é desta que te ponho a ver Satyajit Ray sem teres medo de apanhar "seca"? E este filme é mesmo a tua onda, trust me.
E obrigado pelo elogio! Eu também gosto muito de vir aqui escrever umas linhas de quando em vez! :)
Adorei o post, fiquei com muita curiosidade de ver.
Sabes onde eu posso encontrar este filme? se tive na net é ainda melhor ??
Ficarei muito agradecida.
Este filme está à venda em Inglaterra numa edição da Artificial Eye e faz parte de uma caixa que se chama The Satyajit Ray Collection Volume 1.
Recomendo vivamente esta colecção porque são actualmente as melhores opções no mercado em termos de qualidade audio e video.
Oh Linus, mas eu não tenho medo de apanhar seca. Aliás, muito pelo contrário.
Maryssol, qualidade à parte, o que o Linus queria dizer era: clica aqui - http://www.foriegnmoviesddl.com/2009/09/charulata-lonely-wife-1964-satyajith.html
Eheheheh!
obrigadiiiiiiiiiiissimo, linus e barbie
Verei em breve, só preciso sair do meu momento Waheeda (:
Ok. Já vi e amei. :)
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