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domingo, 5 de setembro de 2010

Kaadhal - Amor


O cinema tâmil é conhecido pelos seus filmes masala que conjugam acção, romance, comédia e pancadaria, nem sempre primando pelo conteúdo. Mas por vezes, das origens mais inesperadas surgem as maiores pérolas, como este Kaadhal, de 2004.

O realizador Balaji Shaktivel, que tem sido reconhecido pela sua capacidade de inovação, pegou em dois estreantes - semi-estreante, no caso do protagonista masculino - e apresentou-os a uma audiência que está habituada a aplaudir sempre os mesmos rostos familiares.

O actor Bharath e a actriz Sandhya demonstraram saber manejar as artes da representação de uma forma muito mais sincera e competente do que alguns dos seus pares mais experientes, e isso valeu-lhes os louvores do público e dos críticos.


O filme Kaadhal, além de ser uma obra bem conseguida a nível narrativo, consegue abordar de forma eficaz alguns assuntos sensíveis raramente apresentados no cinema indiano de uma forma tão crua: as relações amorosas entre adolescentes, a emancipação feminina e, acima de tudo, a separação social entre castas.

Khaadhal começa com o que percebemos ser um jovem casal em fuga.
Uma colegial de Madurai - Aishwarya - troca o uniforme do liceu por roupas casuais compradas à pressa e acompanha o namorado - Murugan - até à estação de camionetas, onde apanham um autocarro para fora da cidade.

Ao longo da viagem, vamos tendo flashbacks do início da sua relação. Percebemos que Aishwarya é uma rapariga da classe média, pertence a uma casta alta e estuda num colégio privado.

Murugan é mecânico de motociclos por conta própria e embora a sua casta nunca seja especificada durante o filme, percebemos que é baixa.
Apesar de ter aproximadamente a mesma idade que Aishwarya, Murugan é pobre e tem de trabalhar para se sustentar.


Quando Aishwarya o encontra pela primeira vez, ri-se dele.
Murugan não acha piada à pobre menina rica, e ameaça-a caso esta volte a meter-se com ele. Aquele que outrora lhe parecia um tipo sujo e mal-encarado, transforma-se, aos olhos de Aishwarya, num objecto de paixão e de afecto.

Aishwarya começa a arranjar desculpas para vê-lo e, contrariando tudo o que é esperado de uma boa menina tâmil, declara-lhe frontalmente o seu amor.

Numa das cenas mais ternurentas do filme, Aishwarya pede a Murugan que arranje a sua moto (que ela própria avariou) e, quando ele lha devolve, a primeira coisa que ela faz é segurar o guiador com força no mesmo sítio onde as mãos dele tocaram. Numa sociedade em que os fora de casta não devem ser tocados, esta cena tem tanto de adorável como de transgressiva.

Relutante ao início, por estar consciente das implicações que uma relação destas acarreta, Murugan assume os seus sentimentos por Aishwarya e começam a namorar às escondidas.

Tendo Kaadhal sido filmado inteiramente em ambiente urbano, a perspectiva da câmara acompanha os dois amantes enquanto estes conduzem as respectivas motos pelo meio do trânsito, namorando à frente de todos mas de forma quase imperceptível.

De volta à camioneta, Aishwarya e Murugan chegam a Chennai (capital do Tamil Nadu) e pedem ajuda a um amigo para se casar.
Enfrentam todo o tipo de adversidades: não têm onde ficar, pelo que passam a noite na rua; para tomar banho e usar o WC têm de se infiltrar no dormitório masculino que o amigo de Murugan partilha com dezenas de outros homens solteiros; ninguém lhes aluga uma casa por não serem casados e Aishwarya é declarada demasiado nova para casar.

Com a ajuda de todos - incluindo dos hóspedes do dormitório masculino - conseguem finalmente casar e encontrar um sítio onde ficar.

No entanto, a família de Aishwarya começa a procurá-la, explicando aos amigos e familiares de Murugan que a relação entre este e a sua filha é bem aceite.

Quem não quiser saber o final do filme deverá parar de ler a partir daqui.

Quando finalmente o amável e educado tio de Aishwarya encontra os recém-casados, convence-os a regressar a casa. O revés dá-se quando, no interior da carrinha do tio, este pergunta a Murugan a que casta pertence e Murugan responde "À casta humana."
A resposta vem sob a forma cruel de "Cão, como ousaste pôr as mãos na nossa filha?"

Ao chegarem a Madurai, os dois amantes são espancados e Aishwarya vê os familiares baterem em Murugan dizendo que só pararão quando ela renegar o casamento.


A partir daqui não posso contar mais, isso seria revelar o final, mas posso dizer que é completamente inesperado e trágico de uma forma avassaladora, fazendo lembrar uma das três histórias de amor contadas pelo japonês Takeshi Kitano no seu belíssimo Dolls.

No final, Aishwarya culpa-se por todos os males que se abateram sobre Murugan, pois foi ela quem pecou (a nível social e religioso) ao desviar-se do seu caminho pré-estabelecido para se aproximar voluntariamente de um homem pobre e de uma casta mais baixa.

O mais surpreendente é sabermos que todo o filme é baseado numa história real (será mesmo?) narrada ao realizador por um dos intervenientes do enredo.

Kaadhal foi, sem dúvida, um dos filmes indianos mais bonitos e com mais qualidade que vi e é mais uma prova de que o cinema tâmil não deve ficar encerrado dentro do circuito marginal do chamado "cinema regional" indiano, merecendo ser apresentado a uma audiência muito mais vasta e que certamente apreciará a frescura e a honestidade de alguns dos realizadores e actores do Sul da Índia.

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