No passado dia 28 de Junho eu e a Bárbara fomos ver o concerto dos Secret Chiefs 3 ao Passos Manuel no Porto.
Os Secret Chiefs 3 não são exactamente uma banda comum, não o são de todo.
São um agrupamento estranho e flexível (que vai mudando de elementos) que aborda um imaginário místico-religioso denso e quase impenetrável ao não-iniciado.
Um imaginário onde tanto se antevê o sufismo como os mais profundos mistérios herméticos da tradição ocidental.
Se virem o Myspace dos senhores, sob as influências, saltam-nos à vista referências como o Colégio de Isphahan na Pérsia, Platão, o Corpus Hermético e a música Bizantina, entre muitas outras.
Musicalmente são qualquer coisa como uma fusão entre surf-rock, psicadelismo, noise e melodias árabes ou persas, sempre plenos de grandiosidade épica... só mesmo ouvindo, acreditem em mim. Poderá não ser para todos os gostos mas é sem dúvida de grande qualidade.
Ora um concerto com pessoas assim não poderia deixar de ter uma primeira parte à altura, correcto? Correctíssimo, e assim foi.
À semelhança do anterior concerto no Porto (em 2008) a primeira parte ficou a cargo de Franklin Pereira (tendo o convite partido do seu amigo Jonathan da Soopa - a entidade que organizou o concerto em conjunto com a Amplificasom - que o costuma acompanhar na tabla) e é dele que quero falar em detalhe aqui no nosso blogue uma vez que, superada a vergonha, tive a coragem de o abordar de modo a pedir-lhe autorização para colocar aqui, para vós queridos leitores, o vídeo da sua performance no concerto onde prendou os espectadores com uma raga palaciana, interpretada no surbahar.
Aproveitando a generosidade do senhor Franklin coloquei-lhe algumas questões por mail às quais ele gentilmente respondeu e que passo a transcrever:
GM: Antes de tudo, diga-nos como chegou à música oriental; fale-nos igualmente um pouco do seu background enquanto músico e das suas preferências musicais.
FP: Em 1980, parti para a Índia à boleia, a partir de Amsterdão, onde estive 1 ano a trabalhar (em alimentos vegetarianos). 2 meses depois cheguei ao ashram de Shree Rajneesh, em Poona no estado de Maharastra. Numa de muitas sessões de música, ouvi um sitarista ocidental num emsemble de fusão; gostei muito, perguntei-lhe onde poderia aprender, e ele disse-me para procurar um professor na zona (mais) indiana da cidade. Dias depois, peguei na bicicleta, fui pedalando por ruas desconhecidas, e encontrei uma loja de instrumentos (q ainda existe, tal como o seu dono). O dono levou-me a casa de Pandit Shreeniwas Keskar, sitarista profissional e a trabalhar na All India Radio; as minhas aulas - a partir do zero em música - começaram poucos dias depois. A minha primeira sitar, muito simples, custou 4 contos (20 euros), e veio da vila de Miraj (300 km mais a sul) onde existe uma grande produção, iniciada há 2 séculos atrás (a mesma loja fez a minha última sitar, em 2004). E assim comecei. O meu professor ainda está vivo, os 3 filhos têm agora miúdos, um deles é meu professor também. Ouço 99% de música da Índia, seja de músicos idosos ou jovens. Também aprecio outros sons do Oriente.
GM: Fale-nos um pouco do instrumento que utilizou e da estrutura da raga que tocou no concerto.
FP: O surbahar foi criado em inícios do séc. XIX por um músico muçulmano de dhrupad, o estilo antigo e arcaico. A cabaça foi cortada na horizontal, o braço é oco, e as cordas foram invertidas (face ao esquema anterior da rudraveena): a mais aguda longe do músico, e as mais graves junto ao músico. Foi dessa distribuição que, mais tarde, a sitar foi buscar, aumentando a largura do braço, as 2 cordas-baixo; as cordas solidárias - as 11 ou 13 colocadas sob as 7 cordas principais - apareceram mais tarde. O surbahar é mais pesado, mais difícil, menos brilhante que a sitar - que acabou por marginalizar tanto o surbahar como a rudraveena, já que permite muita plasticidade ao novo estilo Khayal, mas mantendo as capacidades de contemplação do alap, a fase inicial de qualquer raga. Nessa noite, toquei o raga Darbari Khanada, criado na corte moghol do séc. XVI-XVII, um raga da noite, e de auditório palaciano.
GM: O que gostaria de ver ser feito no âmbito da educação e divulgação musical no nosso país?
FP: Seria bom divulgar-se mais música ligada aos paises dos Descobrimentos, e haver importação de instrumentos melhores.
GM: Pelo que nos disse, costuma ir à Índia com alguma regularidade; quais as suas impressões sobre este país?
FP: Diversas: continua a incomodar a pobreza, à qual agora se junta um aumento substancial da poluição e desordem urbanas. Continua a imensa diversidade cultural e artística, talvez aumentada pelo poder de compra duma classe média em crescimento. Os músicos continuam excelentes, e tenho mais capacidade em aprender e observar a riqueza artística, arcaica, ritual e criativa de um país que admiro.
O vídeo está pequeno e não está com uma qualidade espectacular porque a performance dura cerca de 20 minutos, que implicariam muitos Megabytes de download, e é sempre bom pensar nos utilizadores que não têm ligações à web supersónicas e que também gostariam de a ver.
Quanto à escuridão, lembrem-se do que estão a ver: uma raga da noite (nas palavras do executante).
Divirtam-se e, mais uma vez, obrigado Franklin!
domingo, 5 de julho de 2009
Franklin Pereira e Darbari Khanada
Escrevi sobre: Darbari Kanada, Franklin Pereira, Música Indiana, Porto, Portugal, Secret Chiefs 3
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4 comments:
..excelente post amigo.. tenho aqui umas coisinhas penduradas, mas tenho andado ocupado at work :/
voltarei nos dias próximos :)
beijinhos à familia..
finalmente! alguém que aprecie o meu trabalho :)
beijinhos para ti também
óptimas e pertinentes perguntas e respostas à altura, gostei muito da crítica ao concerto e aprendi bastante com as explicações do Franklin.
Namaste,
Aqui vão 2 links para o recital de sitar de Franklin Pereira no Pazpazes:
http://www.youtube.com/watch?v=Mv9kcTp_5lY
http://www.youtube.com/watch?v=bRHvv_OSq7I
Harih Om
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