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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Mother India


Qual mártir que transporta a própria cruz, a imagem icónica de Nargis Dutt a arrastar um arado gigantesco no cartaz de Mother India evoca uma noção que nos é familiar mas que nem por isso deixa de ser perturbadora: a de alguém que, imerso em sofrimento, é obrigado a carregar o peso do mundo nos ombros.

Mother India é considerado o clássico dos clássicos no cinema indiano. E também um dos melhores filmes de sempre a nível mundial.
Foi filmado totalmente a cores em 1957 por Mehboob Khan e foi uma de muitas películas indianas co-produzidas pela ex-URSS.

Como sabemos, o regime comunista que então dominava a Europa de Leste e parte da Ásia não era receptivo às produções americanas - óbvio - e os filmes indianos eram muito apreciados na região.

Do mesmo modo, algumas das nítidas evocações socialistas de Mother India não foram bem acolhidas nos EUA e uma das cenas do filme em que os camponeses dançavam com foices e martelos foi "editada" antes da sua exibição nesse monumento ao capitalismo que são os "good ol' US of A". Mas já lá iremos.

Mother India é, acima de tudo, uma celebração da figura da mãe que trabalha e se sacrifica. Não são poucos os filmes indianos em que a imagem do camponês trabalhador é exaltada mas aqui ela é mesmo glorificada ao ter como figura dominante uma mulher que além de amar o marido e os filhos trabalha como uma escrava - literalmente - para que nunca falte comida em casa.

Alternando planos grandiosos filmados de perfil (que poderiam perfeitamente fazer parte de qualquer cartaz de propaganda comunista) com close-ups dramáticos dos protagonistas, Mother India acompanha a vida de Radha, a protagonista, a partir do casamento.

Ela e o marido (Raaj Kumar) trabalham arduamente no campo para pagar os juros infindáveis da dívida contraída pela sogra de Radha ao senhorio. O senhorio explora implacavelmente a jovem família, ficando com 3/4 das colheitas e forçando-os a trabalhar de sol a sol.
Radha e o marido viram-se então para um pedaço de terra árida que lhes pertence, lavrando-a no pouco tempo que lhes sobra diariamente.

A tragédia abate-se quando, ao preparar o campo, um dos bois que puxa o arado morre. E torna-se ainda mais devastadora quando o marido de Radha fica mutilado, perdendo ambos os braços e, com eles, a capacidade de sustentar a família e de tratar de si próprio.
Esmagado pelo peso da sua própria incapacidade e da vergonha a que é exposto pela sociedade, o carinho da Radha e dos filhos é insuficiente para o motivar, e ele acaba por abandoná-los (para morrer por inanição, uma vez que não tem como se alimentar).

Este é o primeiro ponto marcante no filme, aquele em que Radha recorre à única coisa que ainda tem - a força para trabalhar - e começa ela própria a fazer o trabalho que antes era assegurado por ambos e por um carro de bois.

A segunda tragédia chega sob a forma de tempestade que destrói a colheita e deixa Radha e os filhos sem nada. Nem casa, nem comida, só lama e devastação. Para cúmulo, o senhorio agiota que sempre a cobiçara tenta novamente comprá-la usando como moeda de troca comida para as crianças. Mas Radha não se vende.

Depois da tempestada vem a bonança - pelo menos é o que diz o ditado - e o filma avança vários anos. Radha continua a trabalhar no campo com os dois filhos adultos que lhe restam, o belicoso Birju (Sunil Dutt, com quem Nargis viria a casar-se) e o obediente Ramu (Rajendra Kumar).

Enquanto este último divide o seu tempo entre o trabalho do campo e o namoro com uma rapariga da aldeia, Birju leva a questão da dívida aos limites, exigindo ver as contas do senhorio e ameaçando a integridade da filha mimada e burguesa deste último.

Os dois irmãos acabam por se confrontar mutuamente em diversas ocasiões, numa dicotomia fraternal que infelizmente já se tornou lugar-comum no cinema indiano e que, por isso mesmo, acaba por ser o único ponto fraco do filme.

Visto como um todo, Mother India é um filme magnífico, muitíssimo emocional e ao mesmo tempo político, expondo tudo o que está errado num sistema agrícola feudal e realçando os benefícios do trabalho em conjunto e da distribuição da riqueza por quem a produz.

Obrigatório, digo eu.

7 comments:

Unknown disse...

..espero que uma cópia comes my way.. :]

Pedro disse...

Tenho a alegria (e um pouco de tristeza) de dizer que esse filme foi o único filme classico indiano que assiti.E achei excelente,dá um desespero o que acontece com a Radha,alem de ter uma cena de Holi!!!EBAA

Ibirá Machado disse...

Ai Ibirááááááááááááá!!!! Assiste logo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Rodolfo disse...

é efectivamente um filme excelente.

arleqvino: é capaz de se arranjar isso, sim. deverias mesmo vê-lo.

bárbara disse...

Sim, Ibirá, assiste para partilharmos tristezas!

Pedro, desespero é mesmo a palavra. E pensei em vocês na cena de Holi :D

arleqvino: já voltaste para a terra? Senão dá um pulo à Mouraria-city que eles têm lá.

Ibirá Machado disse...

Preciso parar de trabalhar um pouco!... esses prazos curtos que me dão e essa minha indisciplina me matam! :S

bárbara disse...

Lol! Há algumas vantagens em trabalhar num escritório e com horário rígido, afinal :)

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