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domingo, 26 de abril de 2009

As Cobras e o Amor - de Nagamandala a Paheli

Depois de ter visto o perturbador Heaven on Hearth e de receber uma recomendação da camarada blogger GoriJi, decidi ver o filme Paheli, com as mega-estrelas Shah Rukh Khan e Rani Mukherjee.
Tudo o que sabia sobre Paheli era que na ausência de um marido indiferente a protagonista do filme tinha uma relação amorosa com um espírito que se apaixonara por ela.
O que descobri foi bastante interessante e não deixa de ser similar ao folclore que temos aqui na Europa (e imagino que no resto do mundo) em que existem histórias de deuses ou espíritos que tomam a forma de humanos para se relacionar com estes.

No hinduísmo e no budismo existem divindades conhecidas como naga (serpentes) que são veneradas em rituais próprios. Existem contos orais sobre as naga em geral e sobre o Rei Serpente em particular. Há também uma peça escrita por Girish Karnad chamada Nagamandala que se debruça exactamente sobre uma mulher por quem o Rei Serpente se apaixona e, assumindo a forma do marido, lhe dedica o seu amor.

Esta peça deu origem a um filme com o mesmo nome realizado em 1997 por T.S. Nagabhara. Sim, Nagabhara.

O filme foi filmado em Kannada, uma das muitas línguas da Índia, e, como qualquer película do cinema regional indiano, é difícil de arranjar. Vou tentá-lo na mesma.

Sem dúvida que Heaven on Hearth foi inspirado neste imaginário e segundo alguns sites, Paheli também o foi.

Tendo duas das maiores estrelas do cinema popular indiano como protagonistas e a produtora Red Chillies a dar uma ajuda, Paheli tinha de ser bom. Vê-se que a nível técnico não se olhou a despesas, a fotografia é muito boa e faz justiça à magnitude dos edifícios tipicamente indianos e às cores vibrantes da roupa dos actores (incluindo a dos figurantes, tudo foi pensado ao pormenor).

Em Paheli não existe uma cobra, mas sim um espírito que se apaixona por uma mulher recém-casada que vai a caminho da casa da nova família. Confesso que Rani Mukherjee não seria a minha primeira escolha para interpretar uma donzela, pois acho que tem mais pinta de mulher madura e independente do que de rapariga inocente do campo. Mas viria a revelar-se uma boa opção de casting à medida que o filme avança.

Ao chegar a casa do marido, este revela que irá passar os próximos cinco anos em viagem, começando já no dia seguinte, e não revela muito intresse na esposa, que fica obviamente transtornada.

O marido parte e o espírito assume a sua forma e inventa um pretexto para regressar a casa. Contrariamente ao que seria de esperar, o espírito não oculta a sua verdadeira identidade à mulher. Após uma breve corte, revela-lhe a verdade e dá-lhe a escolher: prefere passar os próximos cinco anos sozinha à espera do verdadeiro marido ou prefere entregar-se aos braços de quem realmente a ama? Bem, já que as coisas são postas desta maneira...

Lachchi - a esposa - toma a sua decisão e vive feliz com o espírito. Ao fim de quatro anos engravida e a notícia chega aos ouvidos do marido (o verdadeiro) que volta para casa para perceber o que se passa. Neste momento todos percebem que só um deles é o verdadeiro, mas qual será? A traição de Lachchi é imediatamente perdoada pela família, afinal, ela não sabia...

Devo dizer que o final da história me surpreendeu, não está nada de acordo com a "fórmula" a que me habituei, que seria: ou ela e o espírito morriam para ficar juntos ou então o espírito ia embora e ela percebia que sempre amara o marido. Mas Paheli é diferente.

Como creio já ter escrito neste blog, acredito que os realizadores indianos sentem algum dever pedagógico ao realizar um filme que sabem que terá um forte impacto sobre a população. E em Paheli houve, a meu ver, dois momentos de mensagem feminista: a primeira, quando o espírito deixa a escolha nas mãos de Lachchi e ela decide, voluntariamente estar com outro homem que não o marido "legal"; a segunda, quando se fala sobre o nascimento do bebé e o espírito expressa veemente o desejo de que seja uma rapariga.
Como sabemos, o feticídio feminino na Índia é uma realidade e há muita (mesmo muita) gente que prefere abortar quando sabe que a criança é uma menina ou que simplesmente a abandona ou mata após o nascimento. É uma verdadeira epidemia. Nisso, Paheli esteve muito bem.

Como disse anteriormente, ao início não fiquei convencida com Rani Mukherjee (apesar de ser uma das minhas actrizes preferidas), mas com o desenrolar do filme é notório que ela é a pessoa ideal para desempenhar o papel de uma mulher que toma as rédeas da própria vida.
Shah Rukh Khan é uma estrela, isso já sabemos, mas raramente nos surpreende. E aqui fez novamente o papel do costume, o dele mesmo. Sem falhas e com muito humor, é certo, mas o facto é que com ele já sabemos aquilo com que contamos.

Tecnicamente, a fotografia é muito boa e os efeitos especiais também. Existem alguns animais feitos por computador mas o melhor é mesmo o casal de bonecos do Rajastão que narra a história. Estão perfeitos.

A propósito, relembro que os produtores de Paheli arranjaram problemas com o Animal Welfare Board of India devido a maus tratos infligidos aos camelos que no filme aparecem a fazer uma corrida. Pois é, bater em animais para os obrigar a trabalhar não é nada bonito.

Fica então a recomendação: Paheli é um filme que se vê muito bem, não tem momentos aborrecidos, e é um verdadeiro postal da Índia.

Por falar nisso, quase que me esquecia da banda sonora! É muito boa, sim senhor, embora seja o elemento menos tradicional do filme.
Estão ambos recomendados.


5 comments:

Rodolfo disse...

... só faltou contar mesmo o fim não?

bárbara disse...

Morcão! Não disse nada que as pessoas já não soubessem.

Além disso, eu acho que os spoilers não estragam os filmes. Eu sou a pessoa que já sabia que a rapariga do The Crying Game era um homem e mesmo assim fi o filme com expectativa.

Ibirá Machado disse...

E sabe que até agora ainda não vi Paheli!!!

Unknown disse...

.. o Quê?? O|O
a rapariga do cgame era um homem::??

bárbara disse...

Gori: obrigada pela recomendação, estava a perder um bom filme :)

Ibirá: segue a recomendação!

arleqvino: estamos cheios de gracinha... ¬¬

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